Com nova lei, “floresta em pé” pode render até R$ 1,4 bilhão ao ano em créditos de carbono
publicado em 09/05/2022
Fonte: Gazeta do povo
Por Cristina Seciuk 23/05/2022 10:45
A simples existência das florestas públicas brasileiras poderia render pelo menos R$ 120 milhões ao país a cada ano caso o governo liberasse a comercialização de créditos de carbono nos contratos de concessão federal dessas áreas. O montante é o mais modesto levantado por cálculos realizados pelo Centro de Liderança Pública (CLP) com base em um projeto de lei que prevê a inserção dos créditos de carbono na modalidade. No cenário mais otimista, a cifra sobe para R$ 1,4 bilhão ao ano.
Os valores dizem respeito à simulação de receitas provenientes da venda de créditos de carbono relacionados à não emissão de gases do efeito estufa nas áreas de florestas públicas passíveis de concessão.
Hoje, entretanto, esse mecanismo é vedado pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, marco legal estabelecido em 2006 e que regulamenta a concessão para exploração econômica sustentável por parte da iniciativa privada.
Para o coordenador de inteligência técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), Pedro Trippi, um dos autores do estudo, a regra atual “não funcionou” e precisa ser modernizada. Prova do fracasso, segundo ele, é observada ao se confrontar os 20 milhões de hectares passíveis de “adoção” por meio do instrumento com a extensão efetivamente concedida.
“Só um milhão de hectares foram objeto de contratos de concessão florestal, com somente 18 contratos em andamento. Avançou-se pouco em 16 anos”, avalia. Ainda de acordo com Trippi, os resultados tímidos refletem uma série de problemas no desenho da regulação, que, além de oferecer um modelo de baixa atratividade econômica, é considerada excessivamente burocrática e insegura do ponto de vista jurídico. “Tudo isso espanta eventuais players que poderiam entrar no setor de concessão florestal”, arremata.
Créditos de carbono como empurrão nas concessões de florestas
Na avaliação do CLP, a principal correção a ser feita numa revisão da regra de concessões de florestas está justamente em aumentar a atratividade econômica. Para fazê-lo, os créditos de carbono são considerados trunfo importante. “Se o concessionário puder explorar, comercializar, precificar a emissão evitada, a entrada no setor florestal se torna mais atrativa e o interesse cresce”, explica o coordenador.
O mercado de carbono foi concebido como uma solução para frear as emissões de gases do efeito estufa, implementando o princípio do poluidor-pagador (a quem cabe reparar ou indenizar danos ambientais causados) e aplicando precificação à redução de emissões de modo a permitir um sistema de compensações.
Por definição, estabelecida no Protocolo de Kyoto, de 1997, um crédito de carbono equivale a uma tonelada de carbono não lançada na atmosfera. Quanto essa não emissão é certificada, ela pode ser comercializada entre países, comprada por aqueles que têm metas de redução a bater, compensando, assim, as suas emissões com reduções ocorridas em outros locais.
De modo simplificado, o gestor da área preservada teria receita dupla: uma a partir dos serviços florestais explorados (em concordância com as normas federais) e outra advinda da comercialização dos créditos referentes ao carbono não lançado na atmosfera com a manutenção da floresta em pé.
Carbono na Câmara: uso de créditos precisa de aprovação no Legislativo
A inserção da comercialização dos créditos de carbono no rol de atividades permitidas aos concessionários das florestas públicas esta entre as alterações propostas no projeto de lei 5518/2020, protocolado na Câmara pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e que foi objeto do estudo elaborado pelo Centro de Liderança Pública.
Ainda segundo Pedro Trippi, outras movimentações no Congresso poderiam colaborar com a atratividade das concessões. “Tem outros PLs rodando para fortalecer o mercado voluntário de carbono e criar bases para o mercado regulado. [Se as propostas avançam] isso tende a pressionar o preço do carbono no Brasil de modo positivo e ele sobe. E aí o ganhador de uma licitação do setor florestal terá mais atrativos, já estará evitando emissões e pode precificar e transacionar esses créditos” completa.
Há em andamento na Câmara dos Deputados ao menos três projetos de lei que tratam da concessão de benefícios (como redução tributária) a produtos adequados à economia de baixo carbono e da regulação e certificação da compra e venda de créditos de carbono no país a partir da criação de um Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (em conformidade com o previsto desde 2009 na Política Nacional de Mudança do Clima). Nenhuma das propostas, entretanto, tem previsão para irem a debate em plenário.
Aumento de receita e encolhimento de gastos
As receitas econômicas provenientes da comercialização dos créditos de carbono, vale ressaltar, não seriam inteiramente direcionadas aos cofres federais. O valor seria dividido (com regras ainda por estabelecer) entre o poder concedente e o detentor do contrato. A divisão, entretanto, não diminui o interesse do negócio para a esfera pública.
Trippi reforça que, ao agregar interesse às concessões florestais, a permissão para comercialização dos créditos de carbono deve provocar redução nos gastos públicos, uma vez que as responsabilidades por preservação e monitoramento das áreas passa a ser do concessionário.
O intervalo elástico obtido pelo estudo quanto às possíveis receitas com a comercialização dos créditos de carbono – entre R$ 120 milhões e R$ 1,4 bilhão – se explica pelas variações do preço anual médio do ativo (que tende a se valorizar com o avanço da agenda ESG) e o tamanho da área de floresta pública efetivamente sob concessão. O montante mais alto foi calculado a partir de um cenário em que todos os 20 milhões de hectares indicados no Plano Anual de Outorga Florestal (de 2021) fossem objeto de contratos.
Conforme o Relatório de Gestão de Florestas Públicas, elaborado pelo Serviço Florestal Brasileiro, o país encerrou 2021 com 1,27 milhão de hectares concedidos. As florestas com contratos celebrados estão concentradas nos estados de Roraima, Pará e Amapá. Durante o ano passado, as florestas públicas sob concessão florestal produziram 287,1 mil m³ de madeira em tora e arrecadaram R$ 28,8 milhões.