Este artigo explica, em detalhes, o que é o mercado de carbono, por que ele ganhou
os holofotes corporativos nos últimos anos e como funciona a comercialização de
créditos de carbono

Por Naiara Bertão, Prática ESG | Valor Econômico – São Paulo
26/05/2022

Cada vez mais o tal do mercado de carbono entra nas discussões de empresas, governos, cidades e pessoas engajadas com causas ambientais. Para entender o que é o mercado de carbono e por que se fala tanto nele, é importante saber primeiro qual o papel do gás carbônico e do gás metano no aquecimento global.

Gases do efeito estufa

O gás carbônico (CO2) e o gás metano, entre outros, contribuem para um fenômeno
natural chamado de efeito estufa. Apesar de esse termo ser muito associado a algo
ruim, ele é, pelo contrário, o grande responsável pela manutenção da vida na Terra.
Os gases de efeito estufa tem a capacidade de absorver parte radiação solar
irradiada pela superfície terrestre, impedindo que haja fortes variações de
temperatura. Com isso, eles ajudam a manter a temperatura habitável que temos.

O problema é que estamos produzindo muito mais desses gases hoje do que o
necessário e mais até do que a capacidade do próprio planeta de reabsorvê-lo e
manter o equilíbrio. A consequência? A absorção de calor cresce e leva ao tão falado
aquecimento global.

Desde a Revolução Industrial, estima-se que a concentração de dióxido de carbono
aumentou em 50%. Em 2020 atingimos a concentração de 414,24 partes por milhão
(ppm) de CO2, ou seja, em cada um milhão de moléculas de ar no planeta, havia
414,24 do principal gás de efeito estufa. O nível minimamente seguro é de 350 ppm.
Até a Revolução Industrial, a concentração de CO2 na atmosfera não ultrapassava as
280 ppm.

Boa parte da culpa é das atividades humanas, uma vez que esse gás é emitido pelo
uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural). O próprio metano
também é um derivado dessa combustão, ainda que em menor proporção.

A maior produção de gás metano (CH4) vem da decomposição da matéria orgânica
e, portanto, de aterros sanitários, lixões e reservatórios de hidrelétricas. A
agropecuária é outra grande fonte, uma vez que o gado, em seu processo digestivo,
também gera metano. Outra parte importante dessa equação é o desmatamento.
Com a menor cobertura verde, a capacidade de absorção da produção de gases
poluentes também diminui.

A moral da história é que se continuarmos nesse ritmo de produção de gases de
efeito estufa, as pesquisas apontam para um aumento da temperatura de até 3,2°C
ainda neste século. As consequências disso não são totalmente sabidas, mas é
consenso que haverá um desequilíbrio do regime de chuvas, por exemplo, com
secas e enchentes mais intensas; tornados e ciclones em lugares incomuns;
mudança (e perda) da biodiversidade; migrações populacionais em massa; entre
outros.

Metas de emissões

E o que isso tem a ver com o tal mercado de carbono? Ora, se o gás carbônico é o
principal “vilão” do aquecimento global, para evitar o cenário catastrófico de
aumento de temperatura, é preciso cessar novas emissões. Como fazer para que
pessoas, empresas e países parem de usar combustíveis fósseis, desmatar as
florestas, reciclar e reusar mais produtos e fazer escolhas mais sustentáveis em seu
dia a dia? Colocando metas que todos concordem e criando incentivos para
persegui-las.

A primeira tentativa de fazer isso foi em 1997, quando, durante a 3ª Conferência das
Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em
Kyoto, Japão, foi acordado o primeiro tratado internacional para controle da emissão
de gases de efeito estufa na atmosfera, o Protocolo de Kyoto.

Nessa ocasião, quase uma centena de países acertou a redução das emissões para
um conjunto de países. Foi aí também que se criou o primeiro esboço de um
mercado de carbono, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A
ideia era permitir que países signatários negociassem entre si Reduções Certificadas
de Emissões (CERs, na sigla em inglês), que são créditos de carbono removido,
reduzido ou evitado.

Do lado comprador, estavam os países mais poluidores, em especial desenvolvidos,
que compram créditos para compensar suas emissões. Na outra ponta, vendedora,
estavam os países que sediam projetos de preservação e restauração ambiental e
energia limpa que gerem CERs.

Até hoje ainda há projetos no MDL. Os projetos eram aprovados pela entidade
nacional designada de cada país (DNA), que no caso do Brasil era a Comissão
Interministerial de Mudança Global do Clima, composta por representantes de 11
ministérios. Mas, vale comentar que, naquele momento, havia pouca preocupação
sobre a origem do crédito e tipo de projeto.

Acordo de Paris

O Protocolo de Kyoto esbarrou na crise de 2008-2009, mas sua ambição de
despoluir os países serviu como base para, em 2015, uma nova tentativa de acordo
mundial ser feita: o Acordo de Paris. O ponto central é a concordância, pelos 195
países signatários, com metas para reduzir o ritmo de emissões – as chamadas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) – com o objetivo de frear o
aumento das temperaturas do planeta a, no máximo, 1,5°C neste século.

O Brasil é um dos signatários. Em 2015, firmou metas de reduzir as emissões de
gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 (comparado a níveis de 2005) e as
diminuir em 43% até 2030. Em 2021, durante a COP26, o país reviu seu
compromisso e determinou que vai mitigar 50% de suas emissões de GEE até 2030.

É com o Acordo de Paris que o mercado de carbono ganha fôlego também no
mundo corporativo, em especial na União Europeia. O artigo 6º do Acordo traz a
questão da negociação de créditos e reforça a necessidade de ter regulações
específicas para incentivar e viabilizar esse comércio. Em 2021, na Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em Glasglow (Escócia), foram
finalmente acordadas as formas de funcionamento do item 6.2, que trata
justamente desse comércio de créditos de carbono em nível mundial entre países.

Crédito de Carbono

A lógica do mercado de carbono é simples. Se emitir gases de efeito estufa traz
custos para a sociedade, ou seja, é uma externalidade negativa, a ideia central é, por
um lado, desincentivar as emissões, e, por outro, incentivar projetos que combatam
o desmatamento, promovam energias limpa, restaurem áreas vegetais e controlem
as emissões. Como fazer isso? Colocar um preço.

Para isso, criou-se o tal do crédito de carbono, que nada mais é do que uma medida:
um crédito de carbono representa uma tonelada de carbono equivalente que
deixou de ser emitida para a atmosfera, contribuindo para a diminuição do efeito
estufa. É uma forma de normalizar todos os tipos de gases de efeito estufa.

Em 2020, o preço de um crédito de carbono, que equivale a 1 tonelada de carbono
equivalente estava em pouco mais de US$ 3; em 2022 já chega a ser negociado a
US$ 10. Este crédito pode ser comercializado entre empresas de um mesmo país, de
empresa para consumidor, entre países, e também entre empresas de diferentes
regiões.

Mercado voluntário e regulado

Há, porém, dois mercados de carbono: o voluntário e o regulado. O regulado tem
regras definidas por governos nacionais, regionais ou estaduais. O voluntário, como
o próprio nome sugere, é aquele em que empresas e indivíduos voluntariamente
comercializam créditos de carbono para neutralizar suas emissões.

Voluntário – O mercado voluntário surgiu de forma paralela ao Protocolo de Kyoto,
com a criação das chamadas Reduções Voluntárias de Emissões (VERs, em inglês).
Os créditos gerados precisam ser auditados por uma entidade independente,
porém, não são contados nas metas de redução de emissões de países no Acordo
de Paris. Nele, qualquer empresa, pessoa, ONG ou governo pode gerar ou comprar
créditos de carbono voluntários.

Como as empresas buscam esse mercado como parte de uma estratégia ESG e para
se diferenciar, engajando stakeholders e permitindo que participem em índices de
sustentabilidade e rankings, a origem dos projetos, sua qualidade e impacto têm
importância para o comprador.

Segundo Laura Albuquerque, gerente de consultoria da
WayCabon, consultoria da área, os créditos de carbono são
negociados no mercado voluntário por meio de contratos
bilaterais e os tipos de crédito estão geralmente ligados aos
padrões e metodologias que cada projeto segue, as mais
conhecidas são Voluntary Carbon Standard e Gold Standard.
“Há programas, corretoras,fundos e plataformas que
realizam a negociação dos créditos desses padrões e de
outros. As variações de nomenclatura são, geralmente, em
relação ao tipo de projeto, como, por exemplo, REDD
(Redução das Emissões do Desmatamento e da Degradação
Florestal) e A/R (Florestamento e Reflorestamento)”, explica.

Como esse mercado não depende de regulação para acontecer, as operações
também podem ser feitas em nível internacional.

Regulado – No regulado, há regras específicas para seu funcionamento: setores
envolvidos; o que gera crédito de carbono; quanto cada tipo de projeto pode gerar
de crédito de carbono; como precificar; como certificar; onde negociar; como medir
e evitar que seja contabilizado duas vezes; nomenclatura própria; custos e impostos,
etc.. Ele também traz a possibilidade de governos, Estados e municípios obrigarem
agentes mais poluidores a desembolsarem dinheiro para compensar as emissões
acima das metas estabelecidas por meio da compra de crédito de carbono.

Atualmente existem 65 países ou regiões no mundo com precificação de
carbono. Os vizinhos latinos México e Colômbia estão mais avançados neste
tema, além da própria União Europeia.

O Brasil ainda discute como fazer a regulação de seu mercado. Em maio de 2022 foi
anunciada a criação, via decreto pelo Executivo, das bases para o mercado de
carbono regulado no Brasil. Se esperava que fosse aprovado o texto do Projeto de
Lei 528, ainda em tramitação na Câmara Legislativa, que estava mais avançado na
pauta. Ainda há pouca clareza sobre como funcionará (acompanhe no Prática ESG,
que traremos as novidades sobre essa história).

A regulação geralmente é feita elencando setores específicos que serão regulados e
definindo suas metas de emissões. Dentro desses setores são, então, definidos os
participantes que poderão negociar as permissões de emissões (o equivalente aos
créditos de carbono). Essas permissões de emissões precisam ser compatíveis com
o limite de emissões estabelecido.

Não há hoje um comércio internacional regulado de créditos de carbono.

Preço do carbono

No mercado voluntário de carbono, o preço é negociado entre as partes, há um
monitoramento desse preço e o uso de plataformas, mas os contratos bilaterais tem
sido a prática.

Existem duas formas de precificar o carbono no mercado regulado. Uma delas é
pela tributação de carbono, com o governo especificando um preço a ser pago por
tonelada de carbono emitida. A outra é por meio dos sistemas de comércio de
emissões, chamados de ‘cap and trade’ ou ‘emissions trading system’ (ETS, na sigla
em inglês).

“Em teoria, ambos os sistemas possuem a mesma eficiência, mas na prática, sabe-se
que o custo de transação para implementação de um tributo é menor que o custo
de transação para um mercado cap-and-trade”, explica Laura Albuquerque, da
WayCabon. “Em um caso tem-se o sistema de arrecadação pronto e em outro a
necessidade de implementação de sistemas que façam monitoramento, relato e
verificação das permissões de emissão e consequentemente regule as transações. O
governo, agente regulador, é quem define a instituição que irá realizr esse
acompanhamento. O que observamos no novo decreto, de maio de 2022, é o início
desse processo de MRV com o estabelecimento do SINARE”, completa.

Potencial

No fim de 2020, os três maiores mercados futuro globais de carbono já valiam cerca
de US$ 260 bilhões, de acordo com dados do IHS Markit Global Carbon. Em 2021,
estima-se que o mercado de crédito de carbono voluntário movimentou US$ 25
milhões no Brasil, o equivalente a 17 milhões de toneladas de carbono capturados e convertidos
em crédito, segundo a consultoria McKinsey. O mercado global de crédito de carbono gerou
US$ 1 bilhão em transações.

Considerando que muitas companhias têm assumido os compromissos voluntários
de se tornarem neutras em emissões de Gases de Efeito Estufa (“net-zero”) até 2050
e que parte da jornada é mensurar e neutralizar as emissões geradas pela própria
operação e pela sua cadeia, o potencial desse mercado é grande.

“Dado o crescimento de novos atores no mercado voluntário no Brasil, entendo que,
apesar de inseguranças jurídicas, há uma janela de oportunidade a ser explorada
nesse campo”, explica Albuquerque.

A gerente da WayCarbon explica que o potencial de geração de créditos de carbono
no Brasil é grande. “Em 2021, a WayCarbon estimou que o Brasil poderia suprir de
5% a 37,5% da demanda global de créditos de carbono no mercado voluntário até
2030; para o mercado regulado global de 2 a 22% no mesmo período (no âmbito do
Artigo 6.4 do Acordo de Paris)”, finaliza.

Link de acesso: https://valor.globo.com/brasil/esg/noticia/2022/05/26/o-que-e-o-mercado-de-carbono-e-como-ele-funciona.ghtml